domingo, 15 de janeiro de 2006

Escrever

Ser escritor não é tarefa fácil. A maioria tem a ideia do sujeito preguiçoso que passa o dia de pijama e roupão, e que de vez em quando lá se senta na secretária a digitar algumas frases. Mas a verdade não é bem assim. 

Cada escritor tem o seu momento, aquele em que as musas ou as ninfas lá lhe vêm fazer cócegas e o deixam flutuar até perto de um papel, ou de um teclado, e deitam um feitiço sobre os seus dedos, para que algo se forme, cresça e ganhe vida. Nem sempre por esta ordem. 

Mas esses seres ainda chegam a ser mais preguiçosos que a figura acima descrita. Podem passar anos a beber néctar, e a falar do tempo em elevadores que não saem do rés-do-chão. E enquanto eles lá ficam, o escritor tem que puxar pela sua imaginação, que nem sempre gosta de cooperar. 

Isto é tudo muito bonito, mas ainda não mostrou sinal de ser alguma espécie de trabalho árduo. Não se preocupem meus fieis defensores da classe laboral, os escritores também têm outros empregos. Empregos esses que por vezes ajudam-nos na contínua busca por ideias, se assim não fosse, não passaríamos de pobres coitados. 

Muito para além da parte financeira, é preciso dar tempo para voltar à figura inicial. O que fazer quando passamos o dia de pijama e não nos apetece ir à secretária escrever seja o que for? Bem, aí não há nada a fazer. Mais vale não escrever nada, do que escrever algo de qualidade inferior àquilo que somos capazes de produzir. Nem todos pensam assim, mas também temos de ter em conta os prazos que por vezes somos obrigados a cumprir. 

Mas e se o contrário acontecer? Se tivermos mil e uma ideias para encaixar numa só? Aí chegamos à situação em que me encontro. Sim, mais uma vez vou escrever um artigo completamente egocêntrico, mas se eu não me centro em mim, e nas coisas que me dizem respeito, quem o fará? 

Egocentrismo à parte, tentar escrever um romance é algo muito duro e complexo. É preciso procurar a personagem, ou personagens principais. Ter uma ideia para o seguimento do guião. Encontrar uma história, uma finalidade. E por fim, descobrir o melhor final para dar à história. 

Aqui surge-nos o momento crucial. Alguns peritos gostam de ser minuciosos. De traçar um plano e depois segui-lo. Outros preferem ser espontâneos, embora isso nem sempre resulte. Também depende daquilo que queremos fazer da obra. Seja publicá-la, ou simplesmente ficar com ela para nosso proveito pessoal. Ou até mesmo queimá-la como um desastre, um completo aborto literário que apenas as massas inconscientes seriam capazes de adorar. 

Ah, como elas adorariam. Seguir-te-iam cegamente até aos limites do precipício, pois é isso que elas fazem. Mas se tu não o farias, de nada vale que outros o façam. Mais um ponto em que só, a meu ver, os justos concordam. 

Voltando a centrar-me em mim próprio, o meu problema neste momento são as mil e uma ideias que voam pela minha cabeça. Será que devo pôr Raptors? Porque é que ao atirar-se da janela ele vai parar a um navio de luxo? A terra não tem 4600 M.a.? Quem é que ele é afinal? Porque tenho tantos problemas com o nome? É só um nome, nem parece que tanta gente me conhece. Isto são apenas exemplos de questões que apenas responderei: Não; Isto é estúpido; Que é que isto tem a ver com a ideia original?; Isto não é um filme; etc. 

No fim, aquilo que irei escrever, pouco ou nada terá a ver com estas questões, se é que o chegarei a fazer. É muito frustrante quando as ideias que nos surgem afastam-nos da ideia original, e da possível mensagem que queremos transmitir. Aí temos um autêntico conflito de interesses, que a meu ver só pode ser resolvido com a construção de duas obras paralelas, e completamente distintas.

Mas aí regresso ao início. De mil e uma volto a ter apenas uma ideia. Essa ideia continua sem fundamento, sem finalidade e sem sentido de fim. Talvez seja melhor descartá-la. Mas não o quero fazer. Terei que arranjar maneira de me desenrascar. 

Nem sempre somos obrigados a seguir uma ideia à letra para que a mensagem não deixe de ser transmitida, ou para que ela saia tal como queríamos que saísse, ou, quem sabe, até mesmo melhor. Na verdade, o único sentimento que me contém, é o reconhecimento de já tantos escritores terem tido ideias semelhantes às minhas. Ideias essas que até as passaram para filme. 

Trágico facto que me arrisca a ser acusado de plágio, ou de falta de imaginação. A verdade é que nestas coisas não há verdade. Só mesmo quem está cá dentro é que é capaz de compreender as coisas pelas quais passamos. 

Espero que um dia a minha obra venha a ser criada. Quero dar vida a esta ideia interessante. Talvez chegue mesmo a ir até à fonte. Não sei. Um dia saberei, e um dia escreverei. 

Ser escritor continua a não ser tarefa fácil. Pensem muito antes de se juntarem a este Mundo, mas não o deixem de fazer. Quem sabe o que virão a descobrir.

Publicado em 21 de Julho de 2013

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